quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Livro "Amanhecer Esmeralda"

Fruto de desejo antigo, este blog, finalmente, se apresenta... Em cantos de/para/com leitura.
Leituras muitas e diversas, mas leitura para além dos livros, para ler/compreender, se sentir munso: Leitura de si e dos outros.
Ler para compreender, para se reconhecer, para se mostrar, para apresentar o mundo...
Bem-vindo a nosso mundo, delicie-se



Nossa primeiro "canto" foi o livro "Amanhecer Esmeraldo" do escrirot Ferréz.

Veja texto deste autor publicado na Revista Carta Capital:



Amanhecer Esmeralda
por Ferréz

Manhã acordou, foi até a pequena mesa feita artesanalmente com tábuas de caixotes e não viu nenhum embrulho, mais um dia sem pão. Foi para a escola e o professor Marcão entrou na sala exatamente às sete horas, era pontual como um britânico.
A aula chegou ao fim, e todos estavam se levantando, quando Marcão olhou novamente para aquela menina, sempre mal arrumadinha e resolveu chamar Manhã para a mesa. A menina olhou meio desconfiada, pensando por alguns instantes no que havia feito de errado.
Ele perguntou sobre a família de Manhã.
Manhã falou que o pai bebia muito e a mãe vivia trabalhando.
Marcão então se despediu dela, foi andando e a caminho de casa viu uma loja de roupas femininas e entrou.
No outro dia, mais uma aula terminava, e Marcão chamou a pequena Manhã novamente.
– Olha minha pequena, esse é um pequeno presente para você.
Manhã arregalou os pequenos olhos negros e pegou o pacote com delicadeza e ao abrir a embalagem estendeu o vestido, com uma cor que ela não sabia o nome.
Em seguida Marcão disse para Manhã que havia conversado com a Dona Ermelinda que era a merendeira da escola, para que ela arrumasse seu cabelo, Manhã concordou.
Dona Ermelinda chegou, olhou a menina e disse.
– Você é muito bonita mesmo, o Marcão fez mó propaganda dos seus traços africanos, agora eu posso fazer uma trança raiz em você?
– Sim. Respondeu a pequena sorrindo.
Dona Ermelinda dizia, enquanto fazia a trança, que Manhã era afro-descendente e com certeza vinha da família de uma linda rainha, talvez de algum dos reinos trazidos para cá para ser escravizados.
Manhã chegou em casa. O pai estava sentando no sofá e quando a viu perguntou quem era aquela linda menina, depois viu que era sua filha e começou a olhar pro barraco, e em alguns minutos percebeu que não combinava uma menina tão bonita com um barraco tão bagunçado e, depois de algum tempo, voltou com uma lata de tinta, começou a mexer em toda a casa, arrastando móveis de um lado para outro, Manhã perguntou o que ele ia fazer, e ele disse que ia pintar tudo para combinar com a beleza dela.
Quando a mãe da menina chegou não acreditou, abraçou a filha e ficou olhando o barraco todo pintado.
Naquele dia todos se sentaram na pequena mesa, feita com caixotes e conversaram.
Naquele dia a televisão não serviu pra nada, ficou muda e surda no canto da pequena sala.
A vizinha levantou cedo e viu o barraco da família de Manhã todo pintado, chegou para o marido e disse que queria pintar o seu também, começaram o trabalho e os outros moradores viram e começaram a arrumar suas casas também.
Depois que pintaram, decidiram cimentar a rua e durante todo o dia, ficaram espalhando concreto.
Manhã acordou, pegou seu material e saiu, quando chegou na rua, não acreditou, todas as casas estavam pintadas, tudo estava muito lindo, organizado como nunca havia visto, ela olhou para seu vestido, olhou para as casas, olhou para o céu, e viu que tudo era daquela cor, até o amanhecer era esmeralda.
http://www.cartanaescola.com.br/edicoes/terremoto-mundial/amanhecer-esmeralda

Em outro site há uma entrevista muito bacana deste autor...

Para o escritor Ferréz, que acaba de lançar seu primeiro livro infanto-juvenil, melhorar de vida é uma questão de auto-estima e depende principalmente de cada um

Manhã é uma linda garota negra, com traços de princesa africana, que mora na periferia de uma cidade grande e não tem uma vida lá muito fácil. Mas, depois de ganhar um vestido verde e de fazer tranças no cabelo, descobre como as coisas podem ser diferentes -e a melhora na sua auto-estima contamina toda a comunidade, que muda junto com ela.
[...]

Leia trechos da entrevista que o escritor deu ao Folhateen.
(ALESSANDRA KORMANN)
Folha - Existe uma Manhã de verdade?
Ferréz - Existem várias. A Jessica, minha afilhada que foi prometida para mim desde a barriga, e muitas meninas que sentam perto de mim durante minhas palestras. Muitos jovens me dizem que um livro meu mudou a vida deles, então pensei em fazer uma história para crianças que realmente mudasse a vida delas.
Folha - Você acredita que a auto-estima pode mudar a vida das pessoas? O problema da miséria não é mais amplo?
Ferréz - Eu mesmo mudei a minha vida por causa de um show de rap. Quando eu abri um livro pela primeira vez, tive outra noção das coisas. A gente vai mudando a nossa vida com pequenas iniciativas, às vezes até das outras pessoas. Eu tinha 19 anos quando fui ao meu primeiro show, dos Racionais, lá no Capão Redondo [zona sul de São Paulo]. O Mano Brown dizia no palco: "As pessoas não ouvem a gente, mas se vocês gritarem bem alto todo mundo vai ouvir". Quando eu vi isso, pensei que queria fazer parte disso, dessa mudança.
Folha - E que livro mudou sua vida?
Ferréz - Foi "Madame Bovary", de Flaubert. Eu tinha uns 15, 16 anos, já lia muito gibi, literatura de cordel. O livro caiu na minha mão de uma forma bem curiosa. Um amigo meu mandou a mãe escolher entre ele e o padrasto. Ela escolheu o padrasto e o abandonou. No final de semana, a gente ia levar comida para ele, que morava sozinho em um barraco. Uma das coisas que a mãe dele deixou foi uma caixa de livros. Depois disso, descobri Paulo Lins, João Antônio, Lima Barreto, Plínio Marcos. Tomei a pílula do "Matrix" e nunca mais fui o mesmo.
Folha - Mas pensar em uma questão de auto-estima não tira a responsabilidade dos governos de dar condições de todos terem uma vida digna?
Ferréz - Mas depende de cada um cobrar o governo. A gente elege o governo, por que não cobra? O povo vota, mas não fiscaliza, porque é cerceado para não fiscalizar. Eu acho que a mudança é individual e coletiva. Não adianta só reclamar, tem que cobrar. Todo mundo fica falando: "Por que o governo não faz isso"? Deveria pensar: "O que a gente vai fazer junto com o governo?".
Folha - Em que pé está a sua autobiografia? O que deve entrar nela?
Ferréz - Estou escolhendo os materiais, mas não sei ainda se vou escrever primeiro a autobiografia ou outro romance. Numa autobiografia, tem coisas que as pessoas nem imaginam que a gente faz, boas e ruins. Vou falar sobre o fato de os meus amigos não estarem mais aqui comigo, contar um pouco da trajetória deles. Éramos uma turma de 15, hoje se tiver três é muito. Eu me pergunto por que ainda estou vivo e eles não estão mais aqui. Eu fui resgatado grande, mas muitos podem ser resgatados pequenos pela literatura, pela esperança e pela auto-estima.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/folhatee/fm0606200515%2ehtm



Agora, nossa leitura de mundo...